quarta-feira, 2 de novembro de 2011

SER MINEIRO



Ser Mineiro é não dizer o que faz, nem o que vai fazer.
É fingir que não sabe aquilo que sabe, é falar pouco e escutar muito, é passar por bobo e ser inteligente, é vender queijos e possuir bancos.
Um bom Mineiro não laça boi com embira, não dá rasteira no vento, não pisa no escuro, não anda no molhado, não estica conversa com estranhos, só acredita na fumaça quando vê fogo, só arrisca quando tem certeza, não troca um pássaro na mão por dois voando.
Ser Mineiro é dizer UAI, é ser diferente e ter marca registrada, é ter história.
Ser Mineiro é ter simplicidade e pureza, humildade e modéstia, coragem e bravura, fidalguia e elegância.
Ser Mineiro é ver o nascer do sol e o brilhar da lua, é ouvir o cantar dos pássaros e o mugir do gado,
é sentir o despertar do tempo e o amanhecer da vida.
Ser Mineiro é ser religioso, conservador, é cultivar as letras e as artes, é ser poeta e literato,
é gostar de política e amar a liberdade, é viver nas montanhas, é ter vida interior.
É ser gente .


Autor Guimarães Rosa
Guimarães Rosa

DEPOIS DO JANTAR - CARLOS D DE ANDRADE




                                                        
 Depois do jantar
Carlos Drummond de Andrade





Também, que idéia a sua: andar a pé, margeando a Lagoa Rodrigo de Freitas, depois do jantar.
 O vulto caminhava em sua direção, chegou bem perto, estacou à sua frente. Decerto ia pedir-lhe um auxílio.
 — Não tenho trocado. Mas tenho cigarros. Quer um?
 — Não fumo, respondeu o outro.
 Então ele queria é saber as horas. Levantou o antebraço esquerdo, consultou o relógio:
 — 9 e 17... 9 e 20, talvez. Andaram mexendo nele lá em casa.
 — Não estou querendo saber quantas horas são. Prefiro o relógio.
 — Como?
 — Já disse. Vai passando o relógio.
 — Mas ...
 — Quer que eu mesmo tire? Pode machucar.
 — Não. Eu tiro sozinho. Quer dizer... Estou meio sem jeito. Essa fivelinha enguiça quando menos se espera. Por favor, me ajude.
 O outro ajudou, a pulseira não era mesmo fácil de desatar. Afinal, o relógio mudou de dono.
 — Agora posso continuar?
 — Continuar o quê?
 — O passeio. Eu estava passeando, não viu?
 — Vi, sim. Espera um pouco.
 — Esperar o quê?
 — Passa a carteira.
 — Mas...
 — Quer que eu também ajude a tirar? Você não faz nada sozinho, nessa idade?
 — Não é isso. Eu pensava que o relógio fosse bastante. Não é um relógio qualquer, veja bem. Coisa fina. Ainda não acabei de pagar...
 — E eu com isso? Então vou deixar o serviço pela metade?
 — Bom, eu tiro a carteira. Mas vamos fazer um trato.
 — Diga.
 — Tou com dois mil cruzeiros. Lhe dou mil e fico com mil.
 — Engraçadinho, hem? Desde quando o assaltante reparte com o assaltado o produto do assalto?
 — Mas você não se identificou como assaltante. Como é que eu podia saber?
 — É que eu não gosto de assustar. Sou contra isso de encostar o metal na testa do cara. Sou civilizado, manja?
 — Por isso mesmo que é civilizado, você podia rachar comigo o dinheiro. Ele me faz falta, palavra de honra.
 — Pera aí. Se você acha que é preciso mostrar revólver, eu mostro.
 — Não precisa, não precisa.
— Essa de rachar o legume... Pensa um pouco, amizade. Você está querendo me assaltar, e diz isso com a maior cara-de-pau.
 — Eu, assaltar?! Se o dinheiro é meu, então estou assaltando a mim mesmo.
 — Calma. Não baralha mais as coisas. Sou eu o assaltante, não sou?
 — Claro.
 — Você, o assaltado. Certo?
 — Confere.
 — Então deixa de poesia e passa pra cá os dois mil. Se é que são só dois mil.
 — Acha que eu minto? Olha aqui as quatro notas de quinhentos. Veja se tem mais dinheiro na carteira. Se achar uma nota de 10, de cinco cruzeiros, de um, tudo é seu. Quando eu confundi você com um, mendigo (desculpe, não reparei bem) e disse que não tinha trocado, é porque não tinha trocado mesmo.
 — Tá bom, não se discute.
 — Vamos, procure nos... nos escaninhos.
 — Sei lá o que é isso. Também não gosto de mexer nos guardados dos outros. Você me passa a carteira, ela fica sendo minha, aí eu mexo nela à vontade.
 — Deixe ao menos tirar os documentos?
 — Deixo. Pode até ficar com a carteira. Eu não coleciono. Mas rachar com você, isso de jeito nenhum. É contra as regras.
 — Nem uma de quinhentos? Uma só.
 — Nada. O mais que eu posso fazer é dar dinheiro pro ônibus. Mas nem isso você precisa. Pela pinta se vê que mora perto.
 — Nem eu ia aceitar dinheiro de você.
 — Orgulhoso, hem? Fique sabendo que tenho ajudado muita gente neste mundo. Bom, tudo legal. Até outra vez. Mas antes, uma lembrancinha.
 Sacou da arma e deu-lhe um tiro no pé.

Fonte : Livro "Os dias lindos", Livraria José Olympio Editora — Rio de Janeiro, 1977, pág. 54.

ANIVERSÁRIO DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE



Carlos Drummond de Andrade


(...) Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

(...) E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

(Resíduo)

SENTIMENTO DO MUNDO - CARLOS D DE ANDRADE

                      Foto da casa onde nasceu Carlos Drummond de Andrade em Itabira MG

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Carlos Drummond de Andrade

Fonte : Do livro SENTIMENTO DO MUNDO.


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - FILHO DE MINAS

Amigo Leitor, é com muita honra que começamos o nosso novo blog: Saberes & Sabores de Minas, falando sobre esse grande homem que é Carlos Drummond de Andrade, que fez aniversário um dia antes da criação de nosso blog.
Trouxe para nossos leitores um pouco sobre a vida dele e alguns poemas.
Espero que apreciem.
Abraços de seu fiel amigo de sempre 
LUCIANO DUDU

BIOGRAFIA 


Carlos Drummond de Andrade (Itabira, 31 de outubro de 1902 — Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987) foi um poeta, contista e cronista brasileiro.
Nasceu em Minas Gerais, em uma cidade cuja memória viria a permear parte de sua obra, Itabira. Posteriormente, foi estudar em Belo Horizonte e Nova Friburgo com os Jesuítas no Colégio Anchieta. Formado em farmácia, com Emílio Moura e outros companheiros, fundou "A Revista", para divulgar o modernismo no Brasil. No mesmo ano em que publica a primeira obra poética, "Alguma poesia" (1930), o seu poema Sentimental é declamado na conferência "Poesia Moderníssima do Brasil", feita no curso de férias da Faculdade de Letras de Coimbra, pelo professor da Cadeira de Estudos Brasileiros, Dr. Manoel de Souza Pinto, no contexto da política de difusão da literatura brasileira nas Universidades Portuguesas. Durante a maior parte da vida, Drummond foi funcionário público, embora tenha começado a escrever cedo e prosseguindo até seu falecimento, que se deu em 1987 no Rio de Janeiro, doze dias após a morte de sua única filha, a escritora Maria Julieta Drummond de Andrade.[1] Além de poesia, produziu livros infantis, contos e crônicas.
Drummond, como os modernistas,segue a libertação proposta por Mário e Oswald de Andrade; com a instituição do verso livre, mostrando que este não depende de um metro fixo.Se dividirmos o modernismo numa corrente mais lírica e subjetiva e outra mais objetiva e concreta, Drummond faria parte da segunda, ao lado do próprio Oswald de Andrade.
Quando se diz que Drummond foi o primeiro grande poeta a se afirmar depois das estreias modernistas, não se está querendo dizer que Drummond seja um modernista. De fato herda a liberdade linguística, o verso livre, o metro livre, as temáticas cotidianas. Mas vai além. "A obra de Drummond alcança — como Fernando Pessoa ou Jorge de Lima, Herberto Helder ou Murilo Mendes — um coeficiente de solidão, que o desprende do próprio solo da História, levando o leitor a uma atitude livre de referências, ou de marcas ideológicas, ou prospectivas", afirma Alfredo Bosi (1994).
Affonso Romano de Sant'ana costuma estabelecer que a poesia de Carlos Drummond a partir da dialética "eu x mundo", desdobrando-se em três atitudes:
Eu maior que o mundo — marcada pela poesia irônica
Eu menor que o mundo — marcada pela poesia social
Eu igual ao mundo — abrange a poesia metafísica

Sobre a poesia política, algo incipiente até então, deve-se notar o contexto em que Drummond escreve. A civilização que se forma a partir da Guerra Fria está fortemente amarrada ao neocapitalismo, à tecnocracia, às ditaduras de toda sorte, e ressoou dura e secamente no eu artístico do último Drummond, que volta, com frequência, à aridez desenganada dos primeiros versos: A poesia é incomunicável / Fique quieto no seu canto. / Não ame. Muito a propósito da sua posição política, Drummond diz, curiosamente, na página 82 da sua obra "O Obervador no Escritório", Rio de Janeiro, Editora Record, 1985, que "Mietta Santiago, a escritora, expõe-me sua posição filosófica: Do pescoço para baixo sou marxista, porém do pescoço para cima sou espiritualista e creio em Deus."
No final da década de 1980, o erotismo ganha espaço na sua poesia até seu último livro.
Drummond já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado por Carlos Gregório e Pedro Lito no filme Poeta de Sete Faces (2002) e Ivan Fernandes na minissérie JK (2006).
Também teve sua efígie impressa nas notas de NCz$ 50,00 (cinquenta cruzados novos) em circulação no Brasil entre 1988 e 1990.
Atualmente, também, há representações em Esculturas do Escritor, como é o caso das estátuas 'Dois poetas', na cidade de Porto Alegre, e também 'O Pensador, na praia de Copacabana no Rio de Janeiro, além de um memorial em sua homenagem da cidade de Itabira.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade
Imagem: google