sábado, 31 de dezembro de 2011

CORTAR O TEMPO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE






Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.


Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.


Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente


Carlos Drummond de Andrade




RECEITA DE ANO NOVO - CARLOS DRUMNOND DE ANDRADE




Por: Carlos Drummond de Andrade


Para você ganhar belíssimo Ano Novo 
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz, 
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido 
(mal vivido talvez ou sem sentido) 
para você ganhar um ano 
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, 
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser; 
novo até no coração das coisas menos percebidas 
(a começar pelo seu interior) 
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, 
mas com ele se come, se passeia, 
se ama, se compreende, se trabalha, 
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, 
não precisa expedir nem receber mensagens 
(planta recebe mensagens? passa telegramas?) 



Não precisa 
fazer lista de boas intenções 
para arquivá-las na gaveta. 
Não precisa chorar arrependido 
pelas besteiras consumidas 
nem parvamente acreditar 
que por decreto de esperança 
a partir de janeiro as coisas mudem 
e seja tudo claridade, recompensa, 
justiça entre os homens e as nações, 
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, 
direitos respeitados, começando 
pelo direito augusto de viver. 

Para ganhar um Ano Novo 
que mereça este nome, 
você, meu caro, tem de merecê-lo, 
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, 
mas tente, experimente, consciente. 
É dentro de você que o Ano Novo 
cochila e espera desde sempre.









sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

BIOGRAFIA DA ESCRITORA ADÉLIA PRADO



Adélia Luzia Prado Freitas nasceu em Divinópolis, MG aos  13 de dezembro de 1935 é uma escritora brasileira. Os textos retratam o cotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características o estilo único.
Segundo Carlos Drummond de Andrade, "Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis". A escritora também é referência constante na obra de Rubem Alves.
Professora por formação, exerceu o magistério durante 24 anos, até que a carreira de escritora tornou-se a atividade central.
Em termos de literatura brasileira, o surgimento da escritora representou a revalorização do feminino nas letras e da mulher como ser pensante, tendo-se em conta que Adélia incorpora os papéis de intelectual e de mãe, esposa e dona-de-casa; por isso sendo considerada como a que encontrou um equilíbrio entre o feminino e o feminismo, movimento cujos conflitos não aparecem nos textos.
Filha do ferroviário João do Prado Filho e de Ana Clotilde Corrêa. Na rua Ceará daquela cidade do interior mineiro, Adélia Prado leva uma vida pacata. Inicia os estudos no Grupo Escolar Padre Matias Lobato.
Em razão do falecimento da mãe em 1950, Adélia escreve, no mesmo anos, os primeiros versos. No ano seguinte iniciou o curso de magistério na Escola Normal Mário Casassanta, terminando-o dois anos depois.
Muito se discute nas academias de Letras se, de fato, Adélia representa ou não a classe feminina. 
Em algum dos textos, como é o caso do poema Epifania, que abre a série do primeiro livro Bagagem, publicado em 1976, está presente uma forte crítica ao papel da mulher na sociedade, não do ponto de vista que o termo crítica pode evocar; mas num sentido mais amplo, que é justamente o que faz das linhas adelianas um misto entre rebeldia e docura feminina-maternal.
Porém, acima da crítica literária a obra está estabelecida, pois não reclama para si nenhum tipo de subterfúgio ou bandeira. 
Adélia é, e pronto. Independente das controvérsias, o que está evidente em a arte é um profundo sentimento humano advindo de uma moral tradicionalmente mineira cujas bases estão solidificadas na fé católica.
 E por isso mesmo nota-se também a presença dos sentimentos de uma mulher que lembra o conflito tipicamente barroco: a dicotomia entre os apelos do corpo e os de elevação espiritual.

CRONOLOGIA

1950: Escreve os primeiros versos, após a morte da mãe.
1951: Inicia o curso de Magistério na Escola Normal Mário Casassanta.
1953: Conclui o Magistério
1955: Começa a lecionar no Ginásio Estadual Luiz de Mello Viana Sobrinho.
1958: Casa-se com José Assunção de Freitas.
1959: Nasce o primeiro filho, Eugênio
1961: Nasce o filho Rubem
1962: Nasce a filha Sarah
1963: Nasce o filho Jordano
1966: Nasce a filha Ana Beatriz
1972: Morre o pai
1973: Forma-se em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis e neste mesmo ano os poemas são lidos por Carlos Drummond de Andrade
1975: Publica o primeiro livro Bagagem, após indicação de Drummond à Editora Imago. Em seguida, Drummond publica uma crônica no Jornal do Brasil destacando o trabalho ainda inédito de Adélia.
1976: Lança Bagagem no Rio de Janeiro, com a presença de Juscelino Kubitschek, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector,Affonso Romano de Sant'Anna, Nélida Piñon, dentre outros.
1978: Lança O Coração Disparado, com o qual recebe o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro.
1979: Lança a primeira prosa, Soltem os Cachorros
1980: Dirige a montagem de Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna pelo grupo de teatro amador Cara e Coragem.
1981: Publica Cacos para um Vitral e Terra de Santa Cruz; neste mesmo ano é apresentado, no Departamento de Literatura Comparada da Universidade de Princeton, Estados Unidos, o primeiro de uma série de estudos sobre a obra.
1983-1988: Exerce as funções de Chefe da Divisão Cultural da Secretaria Municipal de Educação e da Cultura da cidade natal.
1984: Publica Os Componentes da Banda
1985: Partcipa de um programa de intercâmbio cultural entre autores brasileiros e portugueses, realizado em Portugal, e do II Encontro de Intelectuais pela Soberania dos Povos de Nossa América, em Cuba
1987: Estréia do espetáculo Dona Doida: um Interlúdio, baseado em textos de livros da autora, encenado por Fernanda Montenegro, no Teatro Delfim, no Rio de Janeiro.
1988: Publica A Faca no Peito e participação na Semana Brasileira de Poesia em Nova Iorque
1991: Publica Poesia Reunida
1994: Publica O Homem da Mão Seca
1996: Estréia da peça Duas Horas da Tarde no Brasil, adaptada da obra da autora pela filha Ana Beatriz Prado e por Kalluh Araújo, no Teatro Sesi Minas, em Belo Horizonte
1999: Publica Oráculos de Maio e Manuscritos de Felipa
2000: Estréia do monólogo Dona da Casa, adaptação de José Rubens Siqueira para Manuscritos de Felipa
2005: Publica Quero Minha Mãe
2010: Lança A duração do dia
2011: Lança Carmela Vai à Escola

A literatura brasileira, além de ser fortemente marcada pela presença de Adélia Prado, também foi marcada por um período de silêncio poético no qual a escritora "emudeceu sua pena". Depois de O Homem da Mão Seca, de 1994, Adélia ficou cinco anos sem publicar um novo título, fase posteriormente explicada por ela mesma como "um período de desolação. São estados psíquicos que acontecem, trazendo o bloqueio, a aridez, o deserto". Oráculos de Maio, uma coletânea de poemas, e Manuscritos de Felipa, uma prosa curta, marcaram o retorno, ou a quebra do silêncio. Rubem Alves refere-se a esses silêncios em A Festa de Babbete.




OBRAS


Poesias

Bagagem, Imago - 1975
O Coração Disparado, Nova Fronteira - 1978
Terra de Santa Cruz, Nova Fronteira - 1981
O Pelicano, Rio de Janeiro - 1987
A Faca no Peito, Rocco - 1988
Oráculos de Maio, Siciliano - 1999
Louvação para uma Cor
A duração do dia, Record - 2010

Prosa
Solte os Cachorros, contos, Nova Fronteira - 1979
Cacos para um Vitral, Nova Fronteira - 1980
Os Componentes da Banda, Nova Fronteira - 1984
O Homem da Mão Seca, Siciliano - 1994
Manuscritos de Filipa, romance,


Antologia
Mulheres & Mulheres, Nova Fronteira - 1978
Palavra de Mulher, Fontana - 1979
Contos Mineiros, Ática - 1984
Poesia Reunida, Siciliano - 1991 (Bagagem, O Coração Disparado, Terra de Santa Cruz, O Pelicano e A Faca no Peito).
Antologia da Poesia Brasileira, Embaixada do Brasil em Pequim - 1994.
Prosa Reunida, Siciliano - 1999

Balé
A Imagem Refletida - Ballet do Teatro Castro Alves - Salvador - Bahia - Direção Artística de Antônio Carlos Cardoso. Poema escrito especialmente para a composição homônima de Gil Jardim.

Parcerias
A Lapinha de Jesus (em parceria com Lázaro Barreto) - Vozes - 1969
Caminhos de Solidariedade (em parceria com Lya Luft, Marcos Mendonça e outros) – Gente - 2001.

Obras traduzidasPara o inglês
Adélia Prado: Thirteen Poems. Tradução de Ellen Watson. Suplemento do The American Poetry Review, jan/fev 1984.
The Headlong Heart (Poesias de Terra de Santa Cruz, O coração Disparado e Bagagem). Tradução de Ellen Watson, New York, 1988, Livingston University Press.
The Alphabet in the Park (O Alfabeto no Parque). Tradução de Ellen Watson, Middletown, Wesleyan University Press, 1990.

Para o espanhol
El Corazón Disparado (O Coração Disparado). Tradução de Cláudia Schwartez e Fernando Roy, Buenos Aires, Leviantan, 1994.
Bagagem. Tradução de José Francisco Navarro Huamán. México, Universidade Ibero-Americana,

Participação em antologias
Assis Brasil (org.). A Poesia Mineira no Século XX. Imago, 1998.
Hortas, Maria de Lurdes (org.). Palavra de Mulher, Fontoura, 1989.
Sem Enfeite Nenhum. In Prado Adélia et al. Contos Mineiros. Ática, 1984.


Referências a Adélia na obra de Rubem Alves
A Festa de Babette
Cozinha
Sob o Feitiço dos Livros
A Arte de Produzir Fome

A poesia e o sagrado: traços do estilo de Adélia Prado. USP, 2002. (Dissertação de Mestrado) por Isabel de Andrade Moliterno
Fundamentos filosóficos da poética de Adelia Prado: subsídios antropológicos para uma filosofia da educação. USP, 1996. (Dissertação de Mestrado) por Cecilia Canalle.
Poesia e oralidade na obra de Adélia Prado, por Rita Olivieri, PhD.
Epifanias do real: o olhar lírico de Adélia Prado. UEFS, 2004. (Dissertação de Mestrado) por Claudilis da Silva Oliveira.



Fonte : Consulta realizada em uma das maiores bibliotecas virtuais de nome wikipedia.

Pequenas criaturas - Começo por Rubem Fonseca

"Neste momento estou desenvolvendo o começo da história que iniciei com o título que lhe
deu o sopro inicial de vida. 
No quiosque de livros da praça li um poema no qual o autor (roubei dele o título da minha história) diz que o mundo é doloroso, os seres humanos não merecem existir e ele, poeta, suspeita que a crueldade da sua imaginação está de certa forma conectada com seus impulsos criativos. Matar a velha, não a crueldade, como disse o poeta, mas a força do meu ato e não apenas da minha imaginação foi a impulsão que fará de mim um verdadeiro escritor. Tenho, agora, o começo, tenho o meio e o fim."

RUBEM FONSECA


COM LICENÇA POÉTICA - POR ADÉLIA PRADO


Adélia Prado


Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.


"Uma das mais remotas experiências poéticas que me ocorre é a de uma composição escolar no 3º ano primário, que eu terminava assim: "Olhai os lírios do campo. Nem Salomão, com toda sua glória, se vestiu como um deles...".
A professora tinha lido este evangelho na hora do catecismo e fiquei atingida na minha alma pela sua beleza. Na primeira oportunidade aproveitei a sentença na composição que foi muito aplaudida, para minha felicidade suplementar. Repetia em casa composições, poesias, era escolhida para recitá-las nos auditórios, coisa que durou até me formar professora primária. Tinha bons ouvintes em casa. Aplaudiam a filha que tinha "muito jeito pra essas coisas". Na adolescência fiz muitos sonetos à Augusto dos Anjos, dando um tom missionário, moralista, com plena aceitação do furor católico que me rodeava. A palavra era poderosa, podia fazer com ela o que eu quisesse."



quarta-feira, 2 de novembro de 2011

SER MINEIRO



Ser Mineiro é não dizer o que faz, nem o que vai fazer.
É fingir que não sabe aquilo que sabe, é falar pouco e escutar muito, é passar por bobo e ser inteligente, é vender queijos e possuir bancos.
Um bom Mineiro não laça boi com embira, não dá rasteira no vento, não pisa no escuro, não anda no molhado, não estica conversa com estranhos, só acredita na fumaça quando vê fogo, só arrisca quando tem certeza, não troca um pássaro na mão por dois voando.
Ser Mineiro é dizer UAI, é ser diferente e ter marca registrada, é ter história.
Ser Mineiro é ter simplicidade e pureza, humildade e modéstia, coragem e bravura, fidalguia e elegância.
Ser Mineiro é ver o nascer do sol e o brilhar da lua, é ouvir o cantar dos pássaros e o mugir do gado,
é sentir o despertar do tempo e o amanhecer da vida.
Ser Mineiro é ser religioso, conservador, é cultivar as letras e as artes, é ser poeta e literato,
é gostar de política e amar a liberdade, é viver nas montanhas, é ter vida interior.
É ser gente .


Autor Guimarães Rosa
Guimarães Rosa

DEPOIS DO JANTAR - CARLOS D DE ANDRADE




                                                        
 Depois do jantar
Carlos Drummond de Andrade





Também, que idéia a sua: andar a pé, margeando a Lagoa Rodrigo de Freitas, depois do jantar.
 O vulto caminhava em sua direção, chegou bem perto, estacou à sua frente. Decerto ia pedir-lhe um auxílio.
 — Não tenho trocado. Mas tenho cigarros. Quer um?
 — Não fumo, respondeu o outro.
 Então ele queria é saber as horas. Levantou o antebraço esquerdo, consultou o relógio:
 — 9 e 17... 9 e 20, talvez. Andaram mexendo nele lá em casa.
 — Não estou querendo saber quantas horas são. Prefiro o relógio.
 — Como?
 — Já disse. Vai passando o relógio.
 — Mas ...
 — Quer que eu mesmo tire? Pode machucar.
 — Não. Eu tiro sozinho. Quer dizer... Estou meio sem jeito. Essa fivelinha enguiça quando menos se espera. Por favor, me ajude.
 O outro ajudou, a pulseira não era mesmo fácil de desatar. Afinal, o relógio mudou de dono.
 — Agora posso continuar?
 — Continuar o quê?
 — O passeio. Eu estava passeando, não viu?
 — Vi, sim. Espera um pouco.
 — Esperar o quê?
 — Passa a carteira.
 — Mas...
 — Quer que eu também ajude a tirar? Você não faz nada sozinho, nessa idade?
 — Não é isso. Eu pensava que o relógio fosse bastante. Não é um relógio qualquer, veja bem. Coisa fina. Ainda não acabei de pagar...
 — E eu com isso? Então vou deixar o serviço pela metade?
 — Bom, eu tiro a carteira. Mas vamos fazer um trato.
 — Diga.
 — Tou com dois mil cruzeiros. Lhe dou mil e fico com mil.
 — Engraçadinho, hem? Desde quando o assaltante reparte com o assaltado o produto do assalto?
 — Mas você não se identificou como assaltante. Como é que eu podia saber?
 — É que eu não gosto de assustar. Sou contra isso de encostar o metal na testa do cara. Sou civilizado, manja?
 — Por isso mesmo que é civilizado, você podia rachar comigo o dinheiro. Ele me faz falta, palavra de honra.
 — Pera aí. Se você acha que é preciso mostrar revólver, eu mostro.
 — Não precisa, não precisa.
— Essa de rachar o legume... Pensa um pouco, amizade. Você está querendo me assaltar, e diz isso com a maior cara-de-pau.
 — Eu, assaltar?! Se o dinheiro é meu, então estou assaltando a mim mesmo.
 — Calma. Não baralha mais as coisas. Sou eu o assaltante, não sou?
 — Claro.
 — Você, o assaltado. Certo?
 — Confere.
 — Então deixa de poesia e passa pra cá os dois mil. Se é que são só dois mil.
 — Acha que eu minto? Olha aqui as quatro notas de quinhentos. Veja se tem mais dinheiro na carteira. Se achar uma nota de 10, de cinco cruzeiros, de um, tudo é seu. Quando eu confundi você com um, mendigo (desculpe, não reparei bem) e disse que não tinha trocado, é porque não tinha trocado mesmo.
 — Tá bom, não se discute.
 — Vamos, procure nos... nos escaninhos.
 — Sei lá o que é isso. Também não gosto de mexer nos guardados dos outros. Você me passa a carteira, ela fica sendo minha, aí eu mexo nela à vontade.
 — Deixe ao menos tirar os documentos?
 — Deixo. Pode até ficar com a carteira. Eu não coleciono. Mas rachar com você, isso de jeito nenhum. É contra as regras.
 — Nem uma de quinhentos? Uma só.
 — Nada. O mais que eu posso fazer é dar dinheiro pro ônibus. Mas nem isso você precisa. Pela pinta se vê que mora perto.
 — Nem eu ia aceitar dinheiro de você.
 — Orgulhoso, hem? Fique sabendo que tenho ajudado muita gente neste mundo. Bom, tudo legal. Até outra vez. Mas antes, uma lembrancinha.
 Sacou da arma e deu-lhe um tiro no pé.

Fonte : Livro "Os dias lindos", Livraria José Olympio Editora — Rio de Janeiro, 1977, pág. 54.

ANIVERSÁRIO DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE



Carlos Drummond de Andrade


(...) Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

(...) E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

(Resíduo)

SENTIMENTO DO MUNDO - CARLOS D DE ANDRADE

                      Foto da casa onde nasceu Carlos Drummond de Andrade em Itabira MG

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Carlos Drummond de Andrade

Fonte : Do livro SENTIMENTO DO MUNDO.


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - FILHO DE MINAS

Amigo Leitor, é com muita honra que começamos o nosso novo blog: Saberes & Sabores de Minas, falando sobre esse grande homem que é Carlos Drummond de Andrade, que fez aniversário um dia antes da criação de nosso blog.
Trouxe para nossos leitores um pouco sobre a vida dele e alguns poemas.
Espero que apreciem.
Abraços de seu fiel amigo de sempre 
LUCIANO DUDU

BIOGRAFIA 


Carlos Drummond de Andrade (Itabira, 31 de outubro de 1902 — Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987) foi um poeta, contista e cronista brasileiro.
Nasceu em Minas Gerais, em uma cidade cuja memória viria a permear parte de sua obra, Itabira. Posteriormente, foi estudar em Belo Horizonte e Nova Friburgo com os Jesuítas no Colégio Anchieta. Formado em farmácia, com Emílio Moura e outros companheiros, fundou "A Revista", para divulgar o modernismo no Brasil. No mesmo ano em que publica a primeira obra poética, "Alguma poesia" (1930), o seu poema Sentimental é declamado na conferência "Poesia Moderníssima do Brasil", feita no curso de férias da Faculdade de Letras de Coimbra, pelo professor da Cadeira de Estudos Brasileiros, Dr. Manoel de Souza Pinto, no contexto da política de difusão da literatura brasileira nas Universidades Portuguesas. Durante a maior parte da vida, Drummond foi funcionário público, embora tenha começado a escrever cedo e prosseguindo até seu falecimento, que se deu em 1987 no Rio de Janeiro, doze dias após a morte de sua única filha, a escritora Maria Julieta Drummond de Andrade.[1] Além de poesia, produziu livros infantis, contos e crônicas.
Drummond, como os modernistas,segue a libertação proposta por Mário e Oswald de Andrade; com a instituição do verso livre, mostrando que este não depende de um metro fixo.Se dividirmos o modernismo numa corrente mais lírica e subjetiva e outra mais objetiva e concreta, Drummond faria parte da segunda, ao lado do próprio Oswald de Andrade.
Quando se diz que Drummond foi o primeiro grande poeta a se afirmar depois das estreias modernistas, não se está querendo dizer que Drummond seja um modernista. De fato herda a liberdade linguística, o verso livre, o metro livre, as temáticas cotidianas. Mas vai além. "A obra de Drummond alcança — como Fernando Pessoa ou Jorge de Lima, Herberto Helder ou Murilo Mendes — um coeficiente de solidão, que o desprende do próprio solo da História, levando o leitor a uma atitude livre de referências, ou de marcas ideológicas, ou prospectivas", afirma Alfredo Bosi (1994).
Affonso Romano de Sant'ana costuma estabelecer que a poesia de Carlos Drummond a partir da dialética "eu x mundo", desdobrando-se em três atitudes:
Eu maior que o mundo — marcada pela poesia irônica
Eu menor que o mundo — marcada pela poesia social
Eu igual ao mundo — abrange a poesia metafísica

Sobre a poesia política, algo incipiente até então, deve-se notar o contexto em que Drummond escreve. A civilização que se forma a partir da Guerra Fria está fortemente amarrada ao neocapitalismo, à tecnocracia, às ditaduras de toda sorte, e ressoou dura e secamente no eu artístico do último Drummond, que volta, com frequência, à aridez desenganada dos primeiros versos: A poesia é incomunicável / Fique quieto no seu canto. / Não ame. Muito a propósito da sua posição política, Drummond diz, curiosamente, na página 82 da sua obra "O Obervador no Escritório", Rio de Janeiro, Editora Record, 1985, que "Mietta Santiago, a escritora, expõe-me sua posição filosófica: Do pescoço para baixo sou marxista, porém do pescoço para cima sou espiritualista e creio em Deus."
No final da década de 1980, o erotismo ganha espaço na sua poesia até seu último livro.
Drummond já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado por Carlos Gregório e Pedro Lito no filme Poeta de Sete Faces (2002) e Ivan Fernandes na minissérie JK (2006).
Também teve sua efígie impressa nas notas de NCz$ 50,00 (cinquenta cruzados novos) em circulação no Brasil entre 1988 e 1990.
Atualmente, também, há representações em Esculturas do Escritor, como é o caso das estátuas 'Dois poetas', na cidade de Porto Alegre, e também 'O Pensador, na praia de Copacabana no Rio de Janeiro, além de um memorial em sua homenagem da cidade de Itabira.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_Andrade
Imagem: google